Tema transversal: gênero e ação indigenísta

A questão de gênero e o trabalho indigenista da Secoya

Aspectos gerais sobre a atuação da SECOYA e sua relação com as questões de gênero.

A primeira informação relevante a ser registrada nessa breve síntese é sobre a natureza da atuação da SECOYA e sua relação com a temática de gênero, do ponto de vista do fortalecimento da luta das mulheres.  Dentre os objetivos institucionais, nunca se perde por lembrar que eles são pautados por:

• Lutar e defender os direitos e interesses do povo Yanomami assegurados pela Constituição Federal e pela Legislação Ordinária;

• Favorecer maior autonomia do Povo Yanomami;

• Promover ações visando à melhoria das condições de vida do povo Yanomami;

• Estimular e apoiar o processo organizativo do povo Yanomami.

Nessa perspectiva, é necessário deixar claro que as particularidades do trabalho com essa etnia indígena, inscrita na própria realidade apresentada na região Norte, convidam a um entendimento de gênero que abrange uma perspectiva mais antropológica, que envolve tanto a dimensão biológica dos seres humanos quanto a distinção entre atributos culturais alocados a cada um dos sexos, não tendo todavia chegado a um momento cultural que permita a proposição de ações especificamente voltadas para o empoderamento das mulheres ou para uma análise - do ponto de vista não indígena – do que poderia vir a ser as condições de desigualdade às quais elas estão submetidas no cotidiano dos Xapono.

Síntese da caracterização do contexto das relações de gênero na sociedade Yanomami

Ao observar-se a cultura Yanomami, é possível perceber que existem diferenças e hierarquias tanto em relação ao gênero mulher quanto homem. Isto se traduz por práticas rituais, espaços utilizados na aldeia, tarefas cotidianas específicas, etc. Mas há que tomar certo cuidado para evitar cair na visão, na qual a construção do feminino decorre da dicotomia submissão/dominação.

Com a intensificação do contato entre os Yanomami e a sociedade nacional percebem-se duas tendências que trazem novas informações quanto à discussão relativa à questão de gênero no universo indígena.

a) Uma primeira decorre das interferências da sociedade dos napë (não indígenas) na vida dos Xapono. Tais como: o alcoolismo, o processo de sedentarização, a introdução de alimentos industrializados, que provocam paulatinamente mudanças na divisão do trabalho e consequentemente nos papeis assumidos por homens e mulheres. Isto pode representar sobrecarga no quotidiano das mulheres. A sedentarização provoca menor quantidade de proteínas oriundas dos produtos da caça, e a necessidade de suprimento de alimentos, cuja produção e /ou preparo fica sob a responsabilidade das mulheres, seja dos produtos das roças ou da coleta realizada na floresta. As doenças provocadas pela ingestão de alimentos industrializados aumentam os problemas intestinais nas crianças, ocasionando maiores cuidados por parte das mulheres, entre outros exemplos.

Outra tendência ocorre a partir da luta pela promoção de direitos indígenas, do acesso à educação e a assistência à saúde, novas práticas econômicas, participação dos povos indígenas nas políticas públicas, provocando novo posicionamento do masculino e feminino. Estes correspondem a espaços de emancipação e transformação das relações a partir de novas dinâmicas e rearranjos sociais dos povos indígenas.  Nesse contexto, as lideranças tradicionais passam a ter menor papel no que diz respeito aos novos embates tidos fora da aldeia, na relação dos povos indígenas com a sociedade envolvente o com o próprio governo brasileiro, permitindo o surgimento de lideranças mais jovens que aprendem a lidar com as problemáticas apresentadas a partir de outras estratégias de luta. Essa nova dinâmica tem possibilitado a participação de mulheres em outras esferas, passando progressivamente a assumir papeis que muito diferem dos assumidos tradicionalmente na aldeia.

Contudo, na realidade Yanomami, esse processo é ainda incipiente considerando o relativamente recém-contato com a sociedade nacional.

Uma breve análise de como se estabelece o trabalho da SECOYA na perspectiva de gênero junto aos povos indígenas Yanomami.

Tendo em consideração a referência conceitual de Gênero presente na instituição, pode-se dizer que o trabalho da Secoya, perpassa por eixos complementares, apresentados a seguir:

a) O fortalecimento e o estimulo do processo organizativo Yanomami, no intuito de possibilitar a garantia dos direitos relacionados com a sua especificidade étnica e cultural. Isto é válido tanto para homens como mulheres e ocorre através de cursos de formação, realização de reuniões de conselho local, assembléia, articulações diversas. Os Programas de Educação, Desenvolvimento Sustentável e de Apoio ao Processo Organizativo desenvolvem regularmente este tipo de atividades, nas quais as mulheres, de modo progressivo, passam a participar de espaços de discussão e de tomadas de decisão que vão além dos espaços tradicionais nos quais os homens têm assumido a responsabilidade política da condução do povo e da defesa de seus interesses, principalmente através do papel dos perioma (lideranças tradicionais) e dos Hekura (pajés).

b) Em outro âmbito, mas não desconectado do primeiro, a participação dos Yanomami nas ações de educação, uma vez que o Programa de Educação da Secoya possibilita o ingresso de crianças e adolescentes do sexo feminino e mulheres na escola.

De modo geral, a relação com as instituições governamentais e não governamentais da sociedade nacional é assumida essencialmente pelos homens, seja com os representantes das frentes de contato diretamente na aldeia ou na ocasião da ida dos Yanomami para as cidades circunvizinhas. Nesse sentido, as escolas representam um diferencial importante garantindo a inserção igualitária das mulheres e o acesso a informações através do processo de educação escolar diferenciado alavancado pela Secoya. Estas assumem um papel importante no tocante a valorização da cultura, dos costumes e do uso da língua, tanto quanto na reflexão relativa aos problemas decorrentes do contato com a sociedade não indígena.

Por fim, O Programa de Educação em Saúde, também desenvolvido pela Secoya, garante maior participação das mulheres e a possibilidade de discutir diversas de suas preocupações, tais como: saúde reprodutiva; o impacto da alimentação industrializada na aldeia; a desnutrição; a questão do lixo; o alcoolismo que afeta os homens, etc. Isto se dá a partir de enfoques complementares: a prevenção, o controle social e a valorização da saúde tradicional.

De modo geral, é possível afirmar que o trabalho da Secoya procura manter uma postura que favorece o debate e a reflexão para soluções articuladas que garantem a valorização e a dignidade tanto da mulher quanto o homem diante de uma realidade mais ampla e geral, caracterizada por uma profunda negação de seus direitos enquanto povo indígena, mas permitindo a liberdade da vivência cultural da população Yanomami num tempo próprio, fazendo institucionalmente uma opção metodológica que lida com as demandas trazidas pelos próprios indígenas, evitando propor temáticas ou abordagens que ainda não se apresentaram para esta etnia como uma necessidade concreta.

Desafios futuros

O desafio de intervir na perspectiva de gênero, com enfoque nas especificidades das mulheres, para a Secoya está em conciliar a sensibilidade institucional com a realidade apresentada em campo. Nessa perspectiva, é possível pensar caminhos de tratar, primeiro institucionalmente a temática, visando sensibilizar a equipe para o olhar apurado às questões ligadas às necessidades e processos de emancipação das mulheres Yanomami, sendo possível pensar em introduzir conteúdos de gênero ligados especificamente à questão feminina, para que esses profissionais possam estar mais atentos e mobilizados a identificar demandas trazidas por essa parcela da população nos xapono.

 

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