Mudança Climática é tema da IV Assembléia Geral da Hutukara Associação Yanomami PDF Imprimir E-mail
Seg, 22 de Novembro de 2010 00:00

Preocupação com as mudanças climáticas e presença do secretário da recém criada Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Antonio Alves, foram destaques na assembleia que reuniu mais de 600 pessoas de 72 comunidades entre 1º e 7 de novembro no Toototobi, Terra Indígena Yanomami.

"Sem a ajuda dos pajés yanomami os brancos não conseguirão controlar as mudanças climáticas". A afirmação do líder Davi Kopenawa Yanomami, reeleito presidente da Hutukara, no Toototobi, reflete o protagonismo dos pajés yanomami na abordagem do tema durante a assembleia. Além de explicarem sobre as causas, conseqüências e modos de controle das mudanças climáticas, eles realizaram sessões de pajelança demonstrando o esforço contínuo e necessário para manter a perenidade da Urihi a (a Terra) e evitar a queda do céu.

O tema Mudanças Climáticas foi abordado pela primeira vez num curso de formação de professores yanomami em maio do ano passado. Promovido pelo Projeto de Educação Yanomami do ISA, o curso contou com a participação de Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, que explicou como as mudanças climáticas estão relacionadas ao aumento do efeito estufa e este, por sua vez, ao aumento da emissão de gases na atmosfera nas últimas décadas, especialmente do carbono que é lançado pela queima das florestas tropicais e de combustíveis fósseis.

Depois do curso os professores yanomami passaram a desenvolver pesquisas em suas comunidades indagando sobre a percepção dos yanomami sobre as mudanças climáticas e constataram o que posteriormente foi exposto pelos pajés durante a assembleia: "a Terra está esquentando e eventos como furacões estão mais frequentes porque os napë pë (brancos) estão mexendo com seres perigosos, como aqueles que vivem debaixo da terra, quando são extraídos minérios e petróleo. E perigosa também é a poluição do céu, que é frágil e passível de desabar sobre nossas cabeças", afirmou Luixi Yanomami, pajé da aldeia Piaú.

Os pajés yanomami foram enfáticos em afirmar que os napë pë devem parar de derrubar as florestas e de buscar minérios no subsolo. Com essas medidas e o apoio dos pajés que sustentam o céu, a Terra continuará sendo um lugar possível de se viver. Sem os pajés yanomami a Terra esquentará e o céu cairá, pois, como disse Davi (Kopenawa), os pajés constituem a "controladoria da Terra".

Secretário de Saúde Indígena vai à assembléia
A chegada de Antonio Alves, o secretário da recém-criada Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), em 6 de novembro, foi motivo de comemoração entre os Yanomami. O decreto de criação da Sesai foi assinado pelo Presidente Lula e veio atender a uma reivindicação antiga das lideranças indígenas, que estavam insatisfeitas com a péssima qualidade dos serviços prestados pela Funasa e com os muitos escândalos de corrupção e má gestão dos recursos públicos que envolveram o órgão.

No Toototobi, Alves recebeu as boas-vindas de Davi Kopenawa e foi presenteado com um bracelete de miçangas e um adorno com penas de arara característico dos Yanomami. Conforme ia vestindo o secretário com os adornos, Davi, que usada adornos iguais, disse que aquele presente simbolizava uma aliança entre os Yanomami e o novo secretário e que a partir daquele momento existia um compromisso de lealdade entre ambos. Esse "casamento", como disse Davi e reafirmou o secretário em fala posterior, "é para que o senhor trabalhe junto com os Yanomami, respeitando a nossa cultura e garantindo uma saúde de qualidade para o meu povo". Davi também enfatizou que na nova secretaria não deve haver desvio do dinheiro destinado à saúde dos Yanomami e exigiu do novo secretário o compromisso de não levar para a Sesai os funcionários de Roraima publicamente envolvidos em corrupção.

Pintado de urucum e usando os adornos presenteados, Antônio Alves disse que esta era a sua primeira visita a uma Terra Indígena como secretário e que isso para ele era uma honra porque o Distrito Sanitário Yanomami (DSY) foi o primeiro distrito de saúde indígena a ser criado no Brasil, em 1992, e tem papel de destaque no processo de consolidação do subsistema de saúde indígena.

Antônio Alves disse que o processo de transição da Funasa para a Sesai deve durar até no máximo o dia 30 de abril de 2011 e que, "na condição de casado" seu compromisso era o de trabalhar em conjunto com os Yanomami, retomando a formação dos agentes de saúde, equipando os postos de saúde dentro das Terras Indígenas e realizando a contratação de profissionais de saúde através de concurso público, compromissos estes também declarados pelo secretário em entrevista concedida ao ISA em 26 de outubro.

Mortes de Yanomami na Venezuela
Durante a assembleia circularam denúncias de que 54 Yanomami teriam morrido na Venezuela nos últimos três meses devido a epidemias de malária. Foi grande a indignação de todos com essas notícias. De acordo com relatos dos Yanomami da Venezuela, presentes à assembleia, as mortes ocorreram nas comunidades de Maiyo, Awakau e Pooshi, localizadas em uma região montanhosa de difícil acesso e que não recebe qualquer tipo de assistência. Fontes do governo venezuelano reconhecem 17 mortes. Qualquer que seja o número exato, representam de 10% a 25% da população local.

As autoridades venezuelanas têm conhecimento da epidemia na região desde 31 julho, mas só em 13 outubro a primeira equipe de saúde chegou ao local. Nessa ocasião, exames revelaram 85% de casos positivos de malária, sendo metade deles do tipo falsiparum que é a forma mais grave e pode levar à morte. A falta de assistência à saúde dos Yanomami da Venezuela é bem conhecida dos Yanomami que vivem no Brasil. Não são raras as vezes que grupos de Yanomami atravessam a fronteira em busca de atendimento médico. Muitas das vezes são comunidades inteiras que trazem consigo relatos de doenças e mortes.

Educação diferenciada
A educação, tema de grande interesse dos Yanomami, também foi tema da assembléia. Na presença da secretária adjunta da Secretaria de Educação do Estado de Roraima (SECD/RR), sra. Alda Regina, os Yanomami reivindicaram a certificação dos professores formados no ensino médio pelo Projeto Yarapiari promovido pelo ISA e o apoio às 35 escolas yanomami criadas pela SECD/RR, mas abandonadas durante todo o ano de 2010. Representantes de várias comunidades yanomami onde não há escola também manifestaram à secretária adjunta o desejo de que estas sejam implantadas em suas aldeias e de que pessoas da comunidade sejam formadas como professores.

Diante das muitas reivindicações e manifestações de descontentamento, a secretária disse que a SECD/RR pretende ao menos regularizar o atendimento às 35 escolas criadas antes de criar novas. Com relação ao Projeto Yarapiari, ela disse que a dificuldade para a sua aprovação está na resistência de alguns poucos membros do Conselho Estadual de Educação (CEE) que devem ser esclarecidos sobre a boa qualidade técnica do projeto e que ela mesma se empenhará em oferecer esses esclarecimentos.

A coordenadora do Projeto de Educação Yanomami do ISA, Lidia Montanha, lamentou que, em 11 anos do Projeto Yarapiari, este seja o primeiro ano em que não houve curso de formação de professores yanomami. Isso se deu porque até o momento não foram aplicados os recursos garantidos pelo PAR (Plano de Ações Articuladas para a Educação) Indígena, que faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do MEC. De acordo com o PAR elaborado e aprovado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), o Estado de Roraima estaria recebendo em torno de R$ 619 mil para a realização de dois cursos de formação e acompanhamento pedagógico às escolas no ano de 2010. É provável que este dinheiro já tenha chegado na SECD/RR e espera-se que ele não tenha sido utilizado para outros fins ou que não fique preso a algum trâmite burocrático que inviabilize o seu uso e resulte na sua devolução para a esfera federal. A representante da SECD/RR não soube dizer se o dinheiro chegou ou não na secretaria.

Também foram repassadas à assembleia informações sobre o processo de debate e construção do Território Etnoeducacional Yanomami e Ye’kuana que em agosto contou com um grande encontro em Boa Vista, reunindo representantes yanomami de várias regiões, representantes do MEC, Funai, SECD/RR e ISA (http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=3158).

O tema proteção territorial também foi abordado durante a assembleia, com especial destaque para as denúncias de crescimento do garimpo e da expectativa de saída dos fazendeiros do Ajarani, uma vez que a Funai já decidiu sobre as indenizações a serem pagas. Os representantes da Funai que estavam presentes disseram que há uma grande expectativa de que com a criação da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana em maio deste ano, e com a contratação de novos funcionários por meio de concurso público ocorrido no primeiro semestre do ano, aumente a capacidade do órgão na proteção contra invasores.

O último dia foi dedicado à eleição da diretoria que conduzirá a organização por dois anos. Confira o resultado e como ficou a composição da nova diretoria no quadro abaixo:

Nova diretoria eleita da Hutukara
Presidente – Davi Kopenawa Yanomami (reeleito)
Vice-presidente –  Maurício Ye’kuana
Primeiro Secretário – Trento Yanomami
Segundo Secretário – Déric Yanomami
Primeiro Tesoureiro – Mozarildo Yanomami
Segundo Tesoureiro – Atailto Yanomami
Primeiro Coordenador de Saúde – Dário Vitório Yanomami
Segundo Coordenador de Saúde – Kenedi Yanomami
Primeiro Coordenador de Educação – Ênio Mayanawa Yanomami
Segundo Coordenador de Educação – Bernardo Yanomami
Primeiro Coordenador de Terra e Ambiente – Gabriel Yanomami
Segundo Coordenador de Terra e Ambiente – Lúcio Yanomami
Conselho Fiscal - Zeca, Saldanha e Almeida.

Fonte: ISA, Instituto Socioambiental.

 

 

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