Graves ameaças pesam sobre a saúde dos povos indígenas do estado de Roraima PDF Imprimir E-mail
Qua, 15 de Abril de 2009 00:00

As organizações indígenas e indigenistas do estado de Roraima vêm manifestar a sua preocupação face aos problemas de gestão da saúde indígena que, mais uma vez, colocam em risco a assistência e a integridade física da população indígena.

A assistência de saúde no estado de Roraima é de responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde-FUNASA, que estabelece parceria com instituições conveniadas: o Conselho Indígena de Roraima-CIR, no âmbito do Distrito Leste; a Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami-SECOYA e a Diocese de Roraima, no âmbito do Distrito Sanitário Yanomami e Ye´kuana.

Os convênios com essas instituições estão por finalizar (CIR e Secoya em maio e Diocese de Roraima em julho) sendo que qualquer convênio será submetido às novas regras estabelecidas pela FUNASA através de chamamento público.

Apesar das instituições conveniadas terem acumulado larga experiência no trato da saúde indígena e domínio no atendimento das normas de gestão da administração pública ao longo de 10 anos de parceria, as mesmas foram prejudicadas pelo processo decadente de prestação de assistência à saúde indígena. A recente proposta de transferir a saúde indígena da FUNASA para uma Secretaria Especial de Saúde Indígena ligada diretamente ao Ministério da Saúde busca criar condições para mudar este cenário.

Atualmente, a parceria com as instituições conveniadas do modo como é entendida pela FUNASA não favorece o cumprimento das metas pactuadas e a realização de um trabalho efetivamente complementar, potencializando capacidades das instituições conveniadas e de seus profissionais envolvidos para viabilizar esse processo.

Enquanto a saúde indígena estiver sob a influência de questões políticas alheias a assistência básica nas aldeias, a população indígena será a que mais sofrerá e não sairemos de uma ação puramente emergencial muito distante da assistência preconizada no âmbito do subsistema de saúde indígena.

Diante da morosidade do processo de transferência da saúde indígena da FUNASA para a nova Secretaria, processo ao qual estamos de pleno acordo, nos preocupa o modo como é conduzida a transição decorrente da finalização iminente dos convênios, pelos seguintes motivos:

  • A contratação de colaboradores eventuais pela FUNASA para assegurar a assistência em campo na área Yanomami após a finalização do convênio Secoya, em maio, uma vez que a experiência tem nos demonstrado a total ineficácia e o impacto negativo dessa estratégia sobre a qualidade dos serviços de saúde;
  • A dois meses apenas da finalização de dois grandes convênios (CIR e Secoya), o edital de chamamento público sequer foi publicado, fato preocupante, principalmente considerando a morosidade dos processos administrativos de pactuação da FUNASA;
  • A total falta de transparência nesse processo, deixando os usuários, os conselheiros, as organizações indígenas e as conveniadas sem quaisquer informações, gerando insegurança e instabilidade na saúde indígena.

Graves problemas na gestão da saúde indígena têm reduzido a possibilidade de garantir uma assistência de qualidade junto à população indígena do estado de Roraima. Situação demonstrada claramente através da realidade vivenciada por cada uma das instituições conveniadas, revelando o descaso da FUNASA em relação às responsabilidades que assumiu perante o Ministério da Saúde.

A realidade dos Convênios

1. O Conselho Indígena de Roraima-CIR

O Conselho Indígena de Roraima - CIR mantém convênios com a Fundação Nacional de Saúde desde o ano de 1996, por iniciativa do então Ministro da Saúde Adib Jatene, visando inicialmente apoiar o processo de formação e remuneração dos Agentes Indígenas de Saúde – AIS, na área do Distrito Sanitário Especial Indígena do Leste de Roraima. A partir do ano 2000, o CIR foi convidado a assumir a execução das ações complementares de atenção básica à saúde em todo o distrito, ajudando decisivamente na consolidação dos programas pactuados com a FUNASA. Os indicadores de saúde nesse período apresentaram uma considerável melhora, com redução do coeficiente de Mortalidade Infantil de 46 para 27 por mil no último ano; avanços no controle da Malária com a implantação e atuação de 84 laboratórios existentes nas comunidades indígenas; e o aumento dos índices de cobertura vacinal para os níveis preconizados pelo Programa Nacional de Imunização - PNI na maioria das vacinas e faixas etárias previstas no programa.

As atividades de apoio ao controle social e gestão participativa têm se desenvolvido de forma constante no DSEI Leste de Roraima: os nove Conselhos Locais de Saúde se reúnem regularmente no mínimo três vezes ao ano, e o Conselho Distrital de Saúde já realizou 51 reuniões ordinárias neste período. As atividades de formação dos recursos humanos indígenas culminaram na certificação de 372 AIS no ano de 2007, que completaram os seis módulos previstos no Programa de Formação Profissional do Ministério da Saúde, além da capacitação continuada de agentes indígenas de microscopia, endemias, consultório dentário, parteiras tradicionais, entre outros. Os cursos para Técnicos de Enfermagem e de Higiene Dental indígenas foram aprovados pelo Ministério da Saúde devendo iniciar ainda este ano.

Os problemas de gestão por parte da FUNASA nos últimos anos têm comprometido seriamente a efetividade e a continuidade das ações, devido a falta de investimentos na infra-estrutura e aquisição de insumos, sucateamento dos veículos, radiofonias, microscópios e demais equipamentos médicos, e o desabastecimento de medicamentos essenciais e materiais médicos nos postos de saúde.

Os atrasos nos repasses de recursos do convênio nos últimos dois anos levaram a precarização da situação trabalhista dos profissionais e agentes de saúde, provocando atrasos recorrentes no pagamento da folha salarial e a perda de profissionais com experiência acumulada na área. Esta situação foi decorrente de problemas políticos e burocráticos, devido a denúncias infundadas sobre supostas irregularidades na administração do convênio que motivaram inúmeros processos de fiscalização e auditorias, ao final dos quais nada foi comprovado.

O desgaste acarretado por este processo sobre o Conselho Indígena de Roraima e os riscos envolvidos pela situação recorrente de inadimplência determinada pela insegurança do convênio têm prejudicado as demais áreas de trabalho da organização indígena, em um momento de grande turbulência em razão da conclusão do processo demarcatório da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

2. A associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami - Secoya

A Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami-SECOYA atua desde 1991 junto à população Yanomami dos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no estado do Amazonas, desenvolvendo diversos programas nos campos de saúde, educação bilíngüe e intercultural de cunho diferenciado e de desenvolvimento sustentável.

A Secoya mantem relação de parceria com a FUNASA desde 1999, para as ações de saúde no Amazonas, e firmou convênio em abril 2008 no âmbito do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye´kuana, com o objetivo de estender a assistência básica de saúde para a uma população de 10.500 Yanomami distribuídos em 177 aldeias do estado de Roraima, num território de difícil acesso e que requer afinada logística aérea.

O grande desafio de colaborar com a saúde Yanomami desse estado foi aceito diante da grave situação em que se configurava o Distrito Yanomami e em função da lamentável atuação da Fundação Universidade de Brasília - FUB e dos escândalos que sacudiram a FUNASA, deixando a população indígena em estado de quase total abandono.

Na ocasião em que ocorreu a negociação foi acordado pela FUNASA apoio irrestrito à Secoya, no entanto, a realidade encontrada foi outra, as promessas de apoio não foram cumpridas. A conveniada passou a organizar a assistência e os serviços de saúde sem as mínimas condições, seja em campo, seja na sede cedida pela FUNASA.

Diversos itens incluídos na pactuação inicial foram retirados do Convênio da Secoya ou não foram atendidos, dentre os quais a realização de Levantamento Epidemiológico, instrumento de grande relevância para subsidiar as estratégias de saúde nas aldeias. Faltou combustível e alguns itens na relação de medicamentos preconizados pela FUNASA para abastecer os postos de saúde.

Os equipamentos existentes encontram-se completamente "sucateados" e insuficientes, além de não oferecer condições adequadas de trabalho e de segurança. Faltaram equipamentos de saúde, meios de transporte, de comunicação, estrutura adequada para os profissionais, sujeitos ainda, à precariedade do transporte aéreo até seus locais de trabalho nas aldeias, sendo registrados alguns acidentes e vários incidentes sérios que os abalaram.

A Secoya sofreu seguidos atrasos no repasse dos recursos, não conseguindo honrar no tempo devido os compromissos com seus funcionários e fornecedores, e como se não bastasse, nem a metade dos recursos pactuados foi repassada até o momento à Secoya.

Toda essa situação gerou insatisfação dos funcionários que apresentaram diversas queixas trabalhistas, além de uma Ação Civil Pública por parte do Ministério do Trabalho contra a Secoya/FUNASA, em função do prejuízo acarretado com o repetido atraso no repasse dos recursos pela FUNASA. Malgrado essa situação precária, a Secoya procurou fazer a sua parte, contribuindo para manter um nível satisfatório da saúde indígena, disponibilizando inclusive seus profissionais para compor a equipe de gerência técnica do DSY.

Contudo, nessas condições, o ônus institucional pago pela Secoya é muito alto, tornando inviável a recondução desse convênio com a FUNASA no estado de Roraima, apesar do desejo de colaborar com a população Yanomami.

3. Diocese de Roraima

A Diocese de Roraima está presente junto aos Yanomami desde 1965 e foi testemunha da difícil realidade vivida por essa população diante da imensa invasão garimpeira das décadas de 1980 e 1990, que submeteram os grupos dessas regiões a inúmeras situações de vulnerabilidade. A Diocese de Roraima realiza uma parceria com a FUNASA desde 2001 objetivando desenvolver ações de atenção básica a saúde nos Pólos-Base Missão Catrimani, Baixo Catrimani, Xitei e Ajarani, totalizando uma população de 2.128 pessoas atendidas. Executa também ações voltadas para a etnoeducação no Pólo-Base Missão Catrimani, visando principalmente a formação de professores indígenas e a alfabetização na língua materna no ambiente das malocas.

O convênio da saúde da Diocese de Roraima obtém resultados exemplares nas atividades de saúde que desenvolve. Atualmente, o convênio acumula o ônus trabalhista e social junto aos profissionais dessa área por dois meses de salários atrasados decorrentes de nenhum repasse de recurso por parte da FUNASA em 8 meses de prorrogação do convênio. As dificuldades relacionadas aos atrasos no repasse de recursos vêm ocorrendo desde 2004 e agravou-se nos últimos 2 anos. A deficiência na gestão financeira de recursos pela FUNASA compromete a assistência de saúde aos Yanomami e inviabiliza qualquer relação séria de parceria.

Reivindicações das organizações indígenas e indigenistas do estado de Roraima

As organizações indígenas e indigenistas de Roraima solicitam deste Ministério providências no sentido de garantir uma assistência de qualidade para a população indígena de Roraima, e apresentam suas reivindicações no sentido de:

  1. Agilizar o processo de transferência da responsabilidade sobre a saúde indígena da FUNASA para a nova Secretaria, garantindo a participação dos povos e organizações indígenas;
  2. Transformar, em caráter imediato, o Distrito Leste de Roraima e o Distrito Yanomami e Ye´kuana em unidades gestoras, como experiência piloto, diante da grave situação da política de saúde no estado de Roraima. Isto implica dotar tais DSEI´s de plena autonomia política, administrativa e financeira, assim como garantir o repasse de recursos diretamente pelo governo federal, mediante a apresentação de planos de trabalho aprovados nos Conselhos Distritais de Saúde;
  3. Os chefes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas devem ser aprovados pelos respectivos Conselhos Distritais de Saúde, e devem atuar sempre em consonância com as deliberações das instâncias de Controle Social;
  4. Viabilizar a transição para o novo modelo de gestão da Saúde Indígena no país com a maior urgência possível, com o envolvimento efetivo dos representantes legítimos dos povos indígenas e de seus verdadeiros aliados, visando o enfrentamento imediato dos graves problemas que estão afligindo as comunidades indígenas;
  5. Realizar o processo de Chamamento Público para estas áreas com toda a idoneidade requerida, assegurando a qualificação e a experiência das instituições selecionadas. O mesmo deve ser realizado por pólo-base possibilitando a participação das instituições que já atuam nessa região e acumularam larga experiência no trato da saúde indígena sendo merecedoras da confiança da população indígena. Isto, até que sejam cumpridas as determinações do Acordão e que o Governo (FUNASA ou Secretaria) esteja em condições de assumir integralmente a assistência básica junto à população indígena brasileira;
  6. Garantir que a população Yanomami e Ye´kuana, Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang, Patamona e Wai-Wai, não sofra quaisquer danos ou descontinuidade nos serviços de saúde durante todo o processo de transição provocado com a finalização dos atuais convênios do CIR, da Secoya e da Diocese de Roraima;
  7. Possibilitar à população Yanomami, Ye´kuana, Macuxi, Wapichana, Ingaricó, Taurepang, Patamona e Wai-Wai, o acompanhamento de todo o processo de Chamamento Público, assim como o processo de pactuação em vista de novos convênios, em relação aos quais sempre permanecem alheios;
  8. Propor a realização de uma reunião prévia ao Seminário Regional de Gestão Participativa planejado pelo Ministério da Saúde, reunindo os Distritos Sanitários Yanomami e do Leste de Roraima, devido à grande extensão geográfica e populacional e à complexidade da nossa realidade, a ser realizada na cidade de Boa Vista.

Boa Vista, 19 de março de 2009

 

Assinam:

Conselho Indígena de Roraima – CIR

Hutukara Associação Yanomami – HAY

Organização das Mulheres Indígenas de Roraima – OMIR

Associação Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami – SECOYA

Diocese de Roraima

Instituto Socioambiental – ISA

 

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