Saúde Indígena: a autonomia que queremos PDF Imprimir E-mail
Seg, 22 de Junho de 2009 15:53

A edição pelo governo federal do Decreto 6.878 em 18/06/09 com a finalidade de dar autonomia administrativa aos Distritos Sanitários Indígenas, na prática deve se limitar a mais uma medida burocrática, com a criação de cargos e incremento de pessoal na estrutura da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Mais do que isso, serve como uma legitimação de todos os erros e deficiências que este órgão vem acumulando nos últimos anos.

A autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Indígenas, há tantos anos reivindicada pelo movimento indígena, deve ser a moldura final de um quadro onde o conteúdo principal são a democratização da saúde, o fortalecimento do controle social, investimentos concretos na formação dos profissionais indígenas e a valorização da Medicina Tradicional Indígena. Em outras palavras, tudo o que a Funasa não vem fazendo nos últimos anos.

Uma parcela significativa do movimento indígena, especialmente na Amazônia onde reside seu maior contingente populacional, não acredita que possa haver uma verdadeira autonomia da saúde indígena dentro da Funasa. Desde a sua criação no Governo Collor, este órgão tem se caracterizado por uma cultura institucional autoritária, burocrática e tecnicista, permeada por ingerências constantes de grupos políticos anti-indígenas e por escândalos repetidos de corrupção.

Os Distritos Sanitários Indígenas no estado de Roraima, pioneiros na implantação deste modelo de gestão no país na década de noventa, estão prestes a serem entregues ao governo do estado, como resultado de um acordo entre os grupos políticos dominantes, que se notabilizaram pelas reações violentas contra as demarcações das terras indígenas Yanomami e da Raposa-Serra do Sol.

Esta decisão da Funasa, anunciada após um processo de chamamento público pouco transparente e com critérios altamente questionáveis, contraria diretamente o espírito da Constituição Federal, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da ONU, e a Política Nacional de Saúde Indígena do Ministério da Saúde.

Toda a expectativa criada com o anúncio da criação de uma Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena pelo Ministério da Saúde terminou frustrada com esta proposta de reforma “meia-sola” apresentada agora pelo governo. Enquanto a saúde indígena permanecer subordinada a estes “grupos políticos” que têm dominado a Funasa nos últimos anos, falar em autonomia dos distritos chega a parecer uma heresia. 

A máquina que controla a saúde pública no país mais uma vez subtrai dos povos indígenas o seu direito à gestão participativa e à sua autodeterminação no campo da saúde. E o Governo Lula perde mais uma oportunidade de resgatar parte de sua dívida, promovendo um tratamento digno e respeitoso para a grave crise que ameaça hoje a integridade física e cultural dos povos indígenas do país.

Boa Vista, 21 de junho de 2009.
Paulo Daniel Moraes – Setor de Saúde do Conselho Indígena de Roraima (CIR)

 

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